quarta-feira, 20 de setembro de 2023

ACIDENTES DEIXAM LIÇÕES... (1/n)

COMO APROVEITÁ-LAS?             


Com ou sem vítimas,  com ou sem perdas materiais,  qualquer que seja, o  acidente deixa ensinamentos,  dos quais devemos,  e  -  como prevencionistas -  temos a obrigação de extrair e aplicar tudo o que for possível para evitar a sua repetição.

             Utilizei a palavra “acidente” no parágrafo anterior como qualquer interrupção inesperada e não desejada, habitualmente com algum tipo de perda (na melhor das hipóteses por perda de tempo) durante uma atividade laboral e/ou  no ambiente de trabalho em que ela está sendo executada.

             Às vezes, um pequeno acidente  e sem danos aparentes significativos pode,  numa repetição,  trazer até mortes. É evidente que,   se  tivesse sido bem analisado na primeira ocorrência  e colocada em prática as devidas medidas de prevenção,  poderia ser evitado (ou minimizado os danos)  na possibilidade de ocorrência de um segundo caso.

             No trabalho,  por diversos fatores, é muito comum minimizar-se tais ocorrências,  desprezando-se o que de útil uma boa análise poderia trazer. 

Quantas vezes,  ao realizarmos a perícia de um acidente grave ou fatal ouvimos as expressões:  “eu tinha dito a ele...”,   “estava na cara que iria acontecer isso....”,   “eu avisei mas ninguém deu atenção....”,  e assim por diante.

             E por que  ocorre esse pouco caso ?   

            Sob o meu ponto de vista,  os principais fatores,  observados  ao longo de minha atuação profissional como Auditor Fiscal do Trabalho,   são os seguintes:

 1 - desconhecimento  da necessidade  (e obrigação) em  registrar,  analisar e  implementar as medidas preventivas de segurança que se fizerem necessárias para todos os acidentes e/ou interrupções inesperadas e não desejadas com ou sem danos pessoais ou perdas de materiais. 

Para este fator concorre a falsa ideia de que somente acidentes com danos pessoais que provoquem o afastamento do acidentado  necessitam da competente análise.    E,  infelizmente,  em diversas ocasiões ouvimos essa justificativa de profissionais de SST,   evidentemente tentando tapar a falha por não ter seguido o que reza o subitem  1.5.5.5 da NR 01

 2 - subestimação do potencial de risco nos efeitos do acidente ocorrido e/ou da possibilidade de sua repetição de forma mais grave; 

Numa inspeção de uma obra,  soube que tinha havido no dia anterior um deslizamento de terra aprisionando parcialmente um trabalhador que,  felizmente,  não se ferira.  Entrevistando-o,  o Mestre me  interrompeu dizendo que tinha sido só um “barrinho nas canelas”.   Ao verificar o local,  encontrei um talude quase vertical com aproximadamente 4m de altura.  Informei a ambos que o “barrinho nas canelas” na verdade tinha sido um milagre,  pois o volume de terra desprendido poderia ter  sido maior e causado a morte do trabalhador.  Após a interdição dos trabalhos a empresa foi notificada (e autuada) para providenciar o devido escoramento do local sob competente projeto.


3 - receio em divulgar o acidente e suas possíveis consequências,  por temer repercussões negativas para os envolvidos ou para a empresa.  


        Aqui entram vários tipos de receios.  
        O trabalhador teme ser repreendido pelo Chefe,  e este teme o puxão de orelhas da Direção,  
 e por aí vai.  Ninguém  divulga, nem analisa e, consequentemente,  ninguém toma providências. 

Um caso muito comum e,  infelizmente,  muito grave,  é o que ocorre na indústria da construção,  onde um trabalhador não usa o cinto de segurança adequadamente,  e seus colegas não informam os superiores por óbvios motivos.   Há algum tempo atrás,  e dias após um treinamento específico para a responsabilidade comportamental dos trabalhadores de uma empresa,  em que eu pessoalmente participei,  tivemos a ocorrência de um acidente fatal,  pela queda de um trabalhador da altura de aproximadamente 100m ,  devido não estar usando o cinto de segurança.  Estatelou-se no solo com um cinto caro, quase sem uso     de duplo talabarte amarrado na sua cintura.  Como explicar o fato de não ter usado o EPI que poderia ter salvado sua vida?    Durante a análise do acidente,  na entrevista de dois colegas da vítima,  ficou-se sabendo que era comum ele não usar o cinto.   

            Ficamos diante de dois “dedos-duros” post-mortem.  E agora ? 

Com receio de criarem algum mal-estar para o colega contribuíram para a sua morte.  

Num outro caso,  o Eng. de Segurança,  com o apoio de seus superiores,  somente analisava e registrava nas estatísticas da empresa os acidentes que “eles”  considerassem graves e merecedores de entrarem para as estatísticas,  mesmo tendo havido casos de fraturas e afastamentos superiores  a 15 dias.  Tudo para evitar  a má repercussão da sua unidade de trabalho e não prejudicar o cálculo do PLR.... 


4 - falta de apoio da direção da empresa para as corretas ações da CIPA e/ou SESMT,   referentes as providências necessárias. 


            Este é um caso particularmente muito comum nas empresas que consideram Segurança e Saúde do Trabalhador como um custo  desnecessário.  São despesas sempre relegadas a serem dispensadas por medidas de economia.   


            Numa entrevista com dirigentes de uma empresa, me foi confessado que, se eles incluíssem os custos com aquisições de EPIs, perderiam a licitação para concorrentes que não consideravam esses itens. O problema, evidentemente, estava no fato da contratante principal não exigir que as propostas contemplassem todos os quesitos necessários pertinentes à SST.

            Responsabilidade solidária exigida pelo item 1.5.8  da NR 01 

            As próprias reuniões de análise de acidentes ficam descaracterizadas pela não participação de representantes da Direção.  E sugestões para eliminar ou neutralizar as causas ficam para o ano seguinte,  principalmente em se tratando de um acidente sem vítimas ou sem perdas materiais de monta.

 

            Assim foram vários casos ocorridos  com empresas de grande porte obrigadas pela necessidade de serem feitas licitações,  previsões orçamentárias etc.....

 

            Tivemos um caso,  de acidente com gravíssimos ferimentos num trabalhador que caiu de uma escada de mão que se apoiava sobre um poste metálico para iluminação.  Devido o alto grau de corrosão na base do poste,   ocorreu seu tombamento levando a escada e o trabalhador ao solo. 

A causa já era conhecida,  e o acidente também já era previsto não somente junto a esse poste mas também em inúmeros outros postes na mesma área, onde havia várias estruturas metálicas compondo escadas,  passarelas, grades de proteção em aberturas de pisos, guarda-corpos e ... postes de iluminação. Todas elas com fortes danos devido à corrosão. 

Além da causa já conhecida,  também eram muito conhecidas as dificuldades em solucionar essas irregularidades relacionadas à:  plano orçamentário e necessidade de projetos,  orçamentos e licitações. Logicamente o prazo previsto para a regularização era indefinido.


5 - precariedade da análise do acidente,  quando feita,  ou das medidas implementadas 

 

     Na primeira publicação da NR 05 (jun/1978) havia um modelo sugerido como padrão para análise de acidentes.  Por se tratar de um modelo sugerido,  havia poucas linhas para o campo de “descrição do acidente” .  Assim,  o analista era induzido a elaborar uma análise e descrição que coubesse naquelas três ou quatro linhas.  E tudo facilitava a combinação:  um texto lacônico e a falta de comprometimento,  terminando,  invariavelmente,  numa das duas conclusões  condição insegura  ou    ato inseguro....,  ou seja,  culpa do  empregador ou culpa do empregado. 
 

            Em segurança do trabalho não se procuram culpados,  mas sim quais as causas que levaram ao evento indesejado,  e como fazer para que não mais se repita,  ou que, se repetido,  tenha mínimos danos.

 

Houve um caso em que um trabalhador teve dois dedos da mão direita amputados numa serra circular,  mesmo depois de já ter havido um “pequeno”  acidente com um seu colega de trabalho,  que não se feriu,   por não usar um dispositivo empurrador para a madeira e nem posicionar corretamente a coifa protetora do disco.

            .......Ah,  eu tinha dito que ele precisava prestar mais atenção ... 

        6 - inexistência (e/ou ineficiência por falta de  conteúdo e/ou “qualidade”.) de OS - Ordens de Serviço e APT- Análise Prévia de Tarefa,  incluindo as recomendações de segurança e necessidade de estarem presentes proteções coletivas e individuais necessárias;

       7 - idem, idem com relação a abrangência e “qualidade”   de treinamentos ministrados.

.................................................

A análise de qualquer  acidente, com ou sem lesões pessoais, com ou sem  danos materiais, independentemente do método escolhido, exige a investigação de todos os fatores que,   individualmente ou em conjunção, poderiam ter evitado ou minimizado os danos; envolve o reconhecimento de todos os aspectos ambientas, materiais, pessoais, operacionais e organizacionais  que configuraram o ocorrido.

 

Portanto,  o analista tem que dominar todos esses aspectos pois,  caso contrário, dará como bom e eficaz um procedimento ou documento simplesmente por ele existir, mas desprovido de conteúdo de qualidade prevencionista,  o que é um absurdo,  mas que – lamentavelmente – já foi por mim constatado  em várias vezes junto à pessoas ou empresas, inclusive  com atividades de gerenciamento e/ou de certificação de qualidade.

 

O aproveitamento como lição vai ser medido pela proposição de:

- quais medidas podem ser  implementadas (estratégias)  para ser evitada – ou                       minimizada a níveis toleráveis – a eventual  repetição do acidente,  

- custos e prazos de execução dessas propostas;

- escolha da proposição e  cronograma de execução

- responsáveis;  pela execução,  acompanhamento e aferição da eficácia das medidas;

- legislação pertinente e procedimentos legais eventualmente necessários (comunicações      legais à órgãos públicos e sindicais)

- divulgação à CIPA e todos os interessados  e potencialmente expostos

.............................

 

No âmbito da Legislação à cargo da SIT/MTE inúmeras são as medidas que, à partir das análises, estudos e discussões tripartites,  foram implementadas com enorme êxito na prevenção de acidentes no Brasil, dentre as quais destaco a nova redação da NR 12 (Máquinas e Equipamentos) e a elaboração da NR 35 (Trabalhos em Altura).  

Infelizmente, a meu ver, quando da elaboração do novo texto da NR 01, perdeu-se a oportunidade de ser exigido para que todos os acidentes fatais, independentemente de qual fosse a atividade laboral1,  fossem comunicados ao órgão regional do MTE para a devida análise sob o olhar prevencionista de quem procura as causas e não os culpados, conforme já é exigido em algumas NR2

(1)   – Em julho de 2011 protocolei essa sugestão no MTE

(2)   – Atividades na Indústria da Construção 18.16.23

18.16.23 Em caso de ocorrência de acidente fatal, é obrigatória a adoção das seguintes medidas:

a) comunicar de imediato e por escrito ao órgão regional competente em matéria de segurança e saúde no trabalho, que repassará a informação ao sindicato da categoria profissional;

b) isolar o local diretamente relacionado ao acidente, mantendo suas características até sua liberação pela autoridade policial competente e pelo órgão regional competente em matéria de segurança e saúde no trabalho;

c) a liberação do local, pelo órgão regional competente em matéria de segurança e saúde no trabalho, será concedida em até 72 (setenta e duas) horas, contadas do protocolo de recebimento da comunicação escrita ao referido órgão

 E também:  Atividades de Mineração 22.37.7  /  Trabalho Portuário 29.26.5  /  Construção Naval  34.18.9  /  

 Plataformas de Petróleo 37.29.6

           A justificativa de que basta a comunicação aos órgãos policiais não se sustenta quando se leva em conta que seus profissionais técnicos têm o viés de análise sempre muito focado na responsabilidade ou culpa pela ocorrência, pela própria natureza de seus trabalhos, ao contrário do olhar prevencionista dos profissionais do MTE.


                 

Nenhum comentário:

Postar um comentário