segunda-feira, 24 de julho de 2023

“Pode acaso um cego guiar outro cego?” Lc 6,39-42

 

“Pode acaso um cego guiar outro cego?”    Lc 6,39-42

              

Pois é justamente isso que muitas vezes encontramos num local de trabalho ao periciarmos as causas de algum acidente ali ocorrido. Ou seja, um trabalhador em posto de comando (deficientemente preparado em matéria de Segurança do Trabalho), chefiando ou supervisionando trabalhador(es) de nível(is) mais baixo(s), também deficientemente preparados para a atividade que executam e para o risco a que estão expostos.

Sem nenhuma alusão às pessoas que realmente estão desprovidas da visão, usarei o sentido figurado da palavra considerando  como “cego”   três diferentes situações (muitas vezes por mim constatadas quando atuava como Auditor Fiscal do Ministério do Trabalho), fazendo analogia com a leitura de um livro:

-- o que se nega a abrir o livro e, portanto, nenhum conhecimento lhe será creditado;

-- o que abre e lê alguma coisa mas, por ser um analfabeto funcional, não consegue entender a mensagem total ou parcial do texto;

-- o que lê, entende a mensagem mas, posterga as providências que deveriam ser tomadas em função do conteúdo lido

São três situações que num ambiente de trabalho podem ser concorrentes para o acontecimento de um acidente grave ou fatal. 

Esses três tipos de cegueira normalmente são encontrados em profissionais com algum grau de chefia e responsabilidade, podendo ser desde o mais alto posto da direção da empresa, passando por engenheiros e chegando a  “encarregados” ou “mestres”.

            Num local de trabalho, principalmente em canteiros de obras, a grande maioria é constituída por trabalhadores “comandados”, os quais respondem às ordens e orientações de seus  “comandantes” representados por encarregados, mestres, chefes, engenheiros, gerentes e diretores.

             Estatisticamente, não só no Brasil mas em todo o mundo, quase a totalidade dos acidentados pertence ao grupo dos “comandados” , assim como também na grande maioria dos casos, sempre se encontra entre os fatores causais dos acidentes uma boa parcela de responsabilidade na deficiência do comando e/ou da supervisão.

Vejamos alguns exemplos:

1 -        (05/2003): na obra de uma piscina interna de um colégio na capital paulista, dois trabalhadores (sem qualificação e/ou treinamento para atividades sobre andaimes) tinham como tarefa pintar uma tubulação instalada junto ao teto desse grande salão. Trabalhavam sobre um andaime tubular montado sobre rodízios, com +/- 6m de altura (e dimensões de base inadequadas para atividade sem estaiamento). A cada trecho pintado,  e  com os dois trabalhadores situados no alto do andaime,  este  era empurrado por alguém situado no piso ou pelo próprio encarregado do grupo (o que é terminantemente proibido).  

            Na ausência do encarregado, ao invés de descerem e empurrarem o andaime para a nova posição, os dois trabalhadores tentaram movimentar o andaime apoiando-se com as mãos na tubulação que pintavam.    Tal  ação fez o andaime tombar  jogando os dois trabalhadores  ao solo, causando a morte de um e ferimentos graves no outro,

Observação: haviam outros trabalhadores com diferentes tarefas no local, e inclusive seus superiores, mas não os impediram de provocar o acidente. (autêntico festival de irregularidades!)

Fig: autor

 

2 – dez/2009; numa obra de estação do metrô de SP, um trabalhador recebeu ordem (de quem?) para fazer a amarração de 03 trilhos de aço (12m de comprimento; peso total pouco acima de 2ton) a fim de serem baixados no pátio muitos metros abaixo mediante a operação de um guindaste. Esse trabalhador não tinha qualificação para essa operação de amarração de carga e a área no pátio inferior não poderia ter ninguém, pois estava isolada. Por terem sido mal amarradas, durante a movimentação de descida se desprenderam e atingiram um trabalhador lá embaixo (ninguém viu e não impediu sua presença?) causando sua morte..

Foto: Eng. Gianfranco Pampalon


3 - Em Brasília, há alguns anos, houve um soterramento causando a morte de três operários.

Reproduzo parte da reportagem publicada* no dia seguinte

“A secretária de comunicação da Universidade de Brasília, .... contou que o mestre de obras da construção já havia requisitado um escoramento de terra que caiu sobre os operários nesta quinta-feira.

*Globo.com  de 21/07/2011 

            Como essa solicitação não foi atendida o resultado foram três óbitos. 

              Observação: o mestre não precisava de nenhuma autorização para interromper os trabalhos e, da mesma forma os trabalhadores, se tivessem tido treinamento adequado!

                                        

Bombeiros resgatam corpo de um dos operários que morreram soterrados em obra no Instituto da Criança e do Adolescente (ICA),

do Hospital Universitário de Brasília, nesta quinta (21) (Foto: Ed Ferreira/AE)

 

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