“Pode acaso um cego guiar outro cego?” Lc
6,39-42
Pois é justamente
isso que muitas vezes encontramos num local de trabalho ao periciarmos as causas de algum acidente ali ocorrido. Ou seja, um trabalhador em posto de comando (deficientemente
preparado em matéria de Segurança do Trabalho), chefiando ou supervisionando trabalhador(es)
de nível(is) mais baixo(s), também deficientemente preparados para a atividade que
executam e para o risco a que estão expostos.
Sem nenhuma alusão às pessoas que realmente estão desprovidas da visão, usarei o sentido
figurado da palavra considerando como “cego” três diferentes situações (muitas vezes por
mim constatadas quando atuava como Auditor Fiscal do Ministério do Trabalho), fazendo analogia com a leitura de um livro:
-- o que se nega a
abrir o livro e, portanto, nenhum conhecimento lhe será creditado;
-- o que abre e lê
alguma coisa mas, por ser um analfabeto funcional, não consegue entender a
mensagem total ou parcial do texto;
-- o que lê,
entende a mensagem mas, posterga as providências que deveriam ser tomadas em
função do conteúdo lido
São
três situações que num ambiente de trabalho podem ser concorrentes para
o acontecimento de um acidente grave ou fatal.
Esses três tipos de cegueira normalmente são encontrados em profissionais com algum grau de chefia e responsabilidade, podendo ser desde o mais alto posto da direção da empresa, passando por engenheiros e chegando a “encarregados” ou “mestres”.
Num
local de trabalho, principalmente em canteiros de obras, a grande maioria é
constituída por trabalhadores “comandados”, os quais respondem às ordens
e orientações de seus “comandantes”
representados por encarregados, mestres, chefes, engenheiros, gerentes e diretores.
Vejamos alguns exemplos:
1 - (05/2003): na obra
de uma piscina interna de um colégio na capital paulista, dois trabalhadores
(sem qualificação e/ou treinamento para atividades sobre andaimes) tinham como
tarefa pintar uma tubulação instalada junto ao teto desse grande salão.
Trabalhavam sobre um andaime tubular montado sobre rodízios, com +/- 6m de
altura (e dimensões de base inadequadas para atividade sem estaiamento). A cada trecho pintado,
e com os dois trabalhadores
situados no alto do andaime, este era empurrado por alguém situado no piso ou pelo
próprio encarregado do grupo (o que é terminantemente proibido).
Na ausência
do encarregado,
ao invés de descerem e empurrarem o andaime para a nova posição, os dois trabalhadores tentaram movimentar o andaime
apoiando-se com as mãos na tubulação que pintavam. Tal
ação fez o andaime tombar jogando
os dois trabalhadores ao solo, causando
a morte de um e ferimentos graves no outro,
Observação:
haviam outros trabalhadores com diferentes tarefas no local, e inclusive seus
superiores, mas não os impediram de provocar o acidente. (autêntico festival de irregularidades!)
Fig: autor
2 – dez/2009; numa
obra de estação do metrô de SP, um trabalhador recebeu ordem (de
quem?) para fazer a amarração de 03 trilhos de aço (12m de comprimento;
peso total pouco acima de 2ton) a fim de serem baixados no pátio muitos metros
abaixo mediante a operação de um guindaste. Esse trabalhador não tinha
qualificação para essa operação de amarração de carga e a área no pátio
inferior não poderia ter ninguém, pois estava isolada. Por terem sido mal
amarradas, durante a movimentação de descida se desprenderam e atingiram um
trabalhador lá embaixo (ninguém viu e não impediu sua presença?) causando sua morte..
Foto: Eng. Gianfranco Pampalon
3 - Em Brasília, há alguns anos, houve um
soterramento causando a morte de três operários.
Reproduzo parte da reportagem publicada*
no dia seguinte
“A secretária de comunicação da Universidade de Brasília, ....
contou que o mestre de obras da construção já havia requisitado um escoramento
de terra que caiu sobre os operários nesta quinta-feira.”
*Globo.com de 21/07/2011
Como essa solicitação
não foi atendida o resultado foram três óbitos.
Observação: o mestre não precisava de nenhuma autorização para interromper os trabalhos e, da mesma forma os trabalhadores, se tivessem tido treinamento adequado!
Bombeiros resgatam corpo de um dos operários que morreram soterrados em obra no Instituto da Criança e do Adolescente (ICA),
do Hospital Universitário de Brasília, nesta quinta (21) (Foto: Ed Ferreira/AE)
Nenhum comentário:
Postar um comentário